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António José Saraiva centenário (1917-2017)

Em 31 de Dezembro de 2017, António José Saraiva fará cem anos na nossa companhia. É uma presença fecunda, cujas ideias borbulham, e nos questionam, em vários domínios: história da literatura, a par de monografias sobre autores ou obras de eleição; história da cultura e revisão de conceitos, com extensão ao entendimento de arte; pedagogia; ideologia, política, utopias…

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Insatisfeito e sempre crítico – também de si mesmo –, de uma rara lucidez argumentativa que plasmava em prosa correntia e luminosa, António José Saraiva continua vivo entre discípulos, alunos e leitores, tal a centralidade de um pensamento que a edição em curso das suas obras, incluindo a epistolografia, vem corroborando.

Saraiva, António José (Leiria, 1917 - Lisboa, 1993). Professor, ensaísta, crítico literário, jornalista cultural, investigador, historiador da cultura e da literatura portuguesa. Pelo temperamento de permanente rebeldia, e pela amplitude e originalidade da obra, ocupa um lugar de relevo na vida intelectual portuguesa do século XX.

Licenciou-se em 1938, pela Fac. de Letras de Lisboa, com Ensaio Sobre a Poesia de Bernardim Ribeiro. Convidado para assistente, veio a doutorar-se, em 1942, com a tese Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval. Na sequência de um conflito de natureza pessoal, deixou o ensino universitário e foi professor dos liceus entre 1944 e 1949. Como, entretanto, participara activamente no movimento de Unidade Democrática, em 1945-1946, acabou por ser demitido do magistério liceal. Nos finais de 40 na década de 50, publicou numerosas obras de crítica e investigação histórico-literária, entre as quais importa referir As Ideias de Eça de Queirós; a História da Literatura Portuguesa, com Óscar Lopes, em 1955; os primeiros dois volumes da História da Cultura em Portugal (o 3.º saiu em 1960); e estudos sobre Júlio Dinis (1949), Herculano (1950 e 1953), Fernão Lopes (1955), Fernão Mendes Pinto (1958) e Camões (1959). No mesmo período, ia organizando edições escolares de textos clássicos.

Depois de ter apoiado a candidatura de Humberto Delgado à  Presidência da República (1958), obteve, em 1960, uma bolsa do Collêge de France e entrou como investigador no Centre National de la Recherche Scientifique, de Paris. Assistiu aos acontecimentos de Maio de 1968, que descreveu e analisou em Maio e a Crise da Civilização Burguesa (1970). Nos finais dos anos 70, exerceu o ensino universitário em Amesterdão, onde continuou o estudo, iniciado em Paris, da obra do padre António Vieira, do barroco e da Inquisição Portuguesa – que já lhe merecera um primeiro trabalho em 1956. Datam dessa época numerosos estudos que Saraiva foi escrevendo para publicações de prestígio.

Em 1 de Maio de 1974, voltou a Portugal e ingressou na Univ. Nova de Lisboa como catedrático de História. Dois anos volvidos, em 1977, passou à Fac. de Letras da Univ. de Lisboa. Continuou a desenvolver intensa actividade, como professor, investigador e jornalista (dirigiu a revista Raiz e Utopia em 1977). Ao mesmo tempo, ia refundindo e completando algumas das suas obras mais conhecidas, como História da Cultura em Portugal, que teve nova versão nos volumes I e II de A Cultura em Portugal (1981-1983), completada com O Crepúsculo da Idade Média em Portugal (1988). Em 1990, sai A Tertúlia Ocidental, a obra preferida pelo A., e difícil de definir, a meio caminho entre a história cultural e a ficção narrativa, talvez uma primeira tentativa para o romance que Saraiva nunca escreveu ... Em 17-3-1993, no decorrer da sessão em que recebia, na Associação Portuguesa de Escritores, um prémio por História e Utopia. Estudos sobre Vieira, A. J. S., esgotado pela doença e pelo trabalho que nunca interrompeu, não pôde resistir à emoção da homenagem. O Que É a Cultura, 1993, já no prelo, funciona, assim, como um testamento.

A.R.S. [António Ribeiro dos Santos]

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Bibl.: AA. VV., Estudos Portugueses. Homenagem a António José Saraiva, Lisboa, 1990 (com bibl. por Leonor Curado Neves); António Ribeiro dos Santos, «Presença de A. J. S. (1917-1993): a reedição das suas obras», in Colóquio/Letras, 129-130, Jul.-Dez. 1993, p. 185-190.

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[in Dicionário de Literatura Portuguesa Brasileira Galega Africana Estilística Literária, Actualização  3.º volume, direcção Jacinto do Prado Coelho, Coordenação de Ernesto Rodrigues, Pires Laranjeira, Viale Moutinho, Lisboa, Figueirinhas, 2003, pp. 705-706]

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Tiago Rego Ramalho, Alienação e pensamento político em António José Saraiva, tese de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre, especialização em História Contemporânea, 2015

 

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A personalidade aqui em apreço - António José Saraiva - é sistematicamente conotada a um percurso intelectual e profissional que, embora seja de exaltar, não reflete todo o manancial da sua obra. Assim sendo, e não nos restringindo aos seus lugares de historiador da cultura ou de destacado militante do partido comunista português, pretendemos refletir sobre as dinâmicas do seu pensamento após a rutura com o «marxismo oficial». A década de 1960 afigura-se como um marco histórico, no sentido de estabelecermos um diálogo com as reflexões e as disposições teóricas desse período transato, e a fim de reconhecermos as devidas continuidades e ruturas do seu pensamento. Consideremos então o primeiro desígnio deste trabalho: descortinar em Saraiva um conjunto de variações e de elementos que formulam, de algum modo, a suas preocupações com o imaginário político, em contraste com as visões estáticas e recorrentes da sua obra. Deste modo, no quadro da história das ideias, pretende-se refletir em torno de determinados princípios, conceitos e debates por forma a sintetizarmos a existência de um pensamento político em Saraiva. Como tal, a precipitação de maio de 68, experienciado presencialmente e retratado pelo próprio em devido opúsculo, materializa, por um lado, um momento de transição nas ideias do autor e, por outro lado, constitui o exemplo paradigmático de um escritor sensibilizado pela discussão de ideias políticas. Maio e a Crise da Civilização Burguesa é esse espaço renovado onde continuidade e rutura se entrecruzam ao sustentarem a tese do autor. No intuito de apreendermos as conceções políticas de um pensador como Saraiva, a problemática da alienação assume-se como uma temática prevalente nas suas reflexões. Destarte, apreenderemos este fenómeno em três dimensões: na relação com o espaço, a conflitualidade dialética assume-se na relação entre campo e cidade, rural e urbano, centralização e descentralização ou entre nacionalismo e universalismo; numa dimensão temporal, a problemática enunciada transparece por via da comparação entre artesanato e máquina, tradição e modernização, progresso material e progresso espiritual, humanismo e hiper-consumismo ou cultura e tecnologia; por último, analisada sob a dimensão ontológica, a alienação permite-nos relacionar objetividade e subjetividade, ideia e matéria ou indivíduo e coletivo. A formulação da alienação em Saraiva, analisada e extraída em face de uma crise ou de uma subvalorização dos elementos identitários, resulta num extravasamento ou num desapossamento do ser humano. A alienação é assim um mal, uma degenerescência da humanidade, que oprime o espaço, constrange o tempo e deteriora a condição humana. Resultando numa opacidade para as relações humanas, o estado de alienação configura-se como uma restrição da autonomia individual. A problemática da alienação, e o próprio fetichismo que transborda para a sociedade, constituem-se como dois fatores presentes na crítica romântica que Saraiva dirige à estrutura do capitalismo internacional. Concludentemente, a necessidade de compreender, à luz de um romantismo revolucionário, as possibilidades alienantes perpetuadas pelas sociedades progressistas, constitui o âmago da presente investigação.

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